terça-feira, 2 de outubro de 2012

Por que vou a Roma?


Conferência dada aos seminaristas de Ecône.

Queridos amigos, antes de continuar com as poucas explicações e colóquios que pude ter aí, em Roma, queria mesmo assim precisar um pouco o porquê das tentativas que estou fazendo.

Temo que entre os senhores existam alguns que não o compreendam bem, e que inclusive não o compreendam em absoluto. Lamento-o porque – digo francamente – acredito que seja uma tendência ao cisma. Aqueles que acreditam que já não se deve ter mais nenhum contato nem com Roma, nem com os bispos, nem com tudo o que se faz na Igreja, têm uma tendência cismática. Pois bem, eu não quero ir em direção ao cisma. Quero continuar sendo “homem da Igreja”, e se na Igreja se encontram dificuldades, perigos, provas, dores, isso não dá motivo para dizer: “Agora vou embora, saio, deixo. Que façam o que quiserem. Eu me desvinculo desse. Vou embora”. É uma postura cismática. Vão a que Igreja? Aonde? A quem? Não importa. Não há mais autoridade, não há nada, nada, nada, nada.



Não se deve, pelo fato de existir enfermos ao nosso redor, na Igreja, pela autoridade estar enferma, dizer que esta autoridade já não exista. Apesar de estar enferma, precisamente por isso, temos que tentar mostrar o remédio, e tentar fazer algum bem. Esta foi a atitude daqueles que, na Igreja, ao longo da história, resistiram a Roma, ao Papa, aos bispos, às heresias que se sucederam na Igreja, que se difundiram na Igreja, através da Igreja.

Fazer isso é muito fácil, é demasiado simples, porque então já não há mais combate. Diria que já não há mais espírito pastoral, não há mais espírito sacerdotal. Se fraqueja, se vai embora, se abandona o combate, se vai, e deixa os demais para que lutem sós. Isso é pura e simples covardia. É abandonar o combate, abandonar o desejo de procurar o bem dos demais; porque ainda quando os outros estejam enfermos, apesar de que sejam superiores, alguém tem o dever de adverti-los – é o que diz Santo Tomás – de forma respeitosa e firme sobre os erros daqueles que são culpáveis. Se alguém diz “Eu já não reconheço os superiores. Acabou. Não há mais superiores, não tenho mais superiores. Não tenho ninguém. Vou embora, fico sozinho e faço o que quero, etc.”. Mas, por que estão aqui, os senhores, seminaristas que têm essa atitude? É melhor que vão embora, que não fiquem aqui, não vale a pena. Se os senhores querem ou preferem não ter superiores e viver sem superiores, assim sem mais, como na natureza…

É muito grave, muito grave, porque os senhores me apresentam um problema de consciência, porque me pergunto se posso ordenar os seminaristas que têm essas disposições. É absolutamente necessário lutar contra este espírito. É um mau espírito. É um espírito que não é cristão, que não é um espírito sacerdotal. Temos que ter cuidado com isso. Já o disse, repeti, digo novamente, mas alguns se fecham em sua mentalidade e não querem saber nada. Por isso digo que me é apresentado um problema de consciência, para saber se devo ou não ordená-los. É assim! O que querem? Porque eu ordeno sacerdotes, ordeno missionários, ordeno gente que quer converter o mundo inteiro, ordeno gente que quer ir ao redor do mundo, para ter contato com qualquer um, com os comunistas, com os protestantes… para falar com eles, convertê-los, levá-los à graça, a Nosso Senhor Jesus Cristo.

É evidente que às vezes é necessário fechar as portas. É claro que não se deve dar a comunhão aos protestantes: isso é evidente. Não se deve ordenar pessoas que não têm fé: é evidente. Mas é diferente. É diferente administrar as coisas sagradas aos que não têm fé. É outra coisa, não se trata disso. Trata-se de converter o povo, de levá-los a Jesus Cristo. Precisamente, é o contrário do ecumenismo. Exatamente: desse falso ecumenismo. É o contrário. Somos missionários. Não somos ecumênicos. Não queremos confundir todas as noções e fazer um compromisso entre os protestantes, os católicos, e os outros… misturar tudo. Não queremos isso. Não queremos.

Queremos professar nossa fé. Queremos agir de tal forma, que a gente se prepare para receber a graça do batismo ou da abjuração de seus erros. Por isso vou a Roma. Vou a Roma, acredito, como Santa Joana D’Arc ia na direção dos que a condenaram, ao tribunal que a condenara. Não pretendo ter a fortaleza de Joana D’Arc, nem sua virtude; mas em definitivo, penso que o Bom Deus me ajudará a falar diante dessa gente, diante dos que me interrogam, para dizer-lhes a verdade. Se não a querem, não a querem. É tudo. Não acontece nada. Não me faz mudar.

É incrível. É um espírito destruidor e muito desagradável, porque mata o espírito missionário. Então diz-se: “Vossa Excelência não deveria ir a Roma. Não deveria ir a Roma porque não são nada, e portanto, não tem que visitá-los”. Mas, o que é isto? “Não são nada. Nada”. É inimaginável! Não. Em todo caso, não é o espírito dessa casa. Não é o espírito da Fraternidade. Sempre disse aos que me perguntaram: “Sim. Se o Senhor converte seu bispo, se tem a intenção de convertê-lo – evidente, não a intenção de ser convertido por ele pelas suas ideias, se ele é liberal –”.

– “Mas Excelência, visitá-lo?”

– “Sim. Se o Senhor tem a oportunidade, vá visitá-lo”. Se os senhores têm a oportunidade de visitar seu bispo – não digo que devam buscá-lo e estar permanentemente na casa do bispo… –, e se seu bispo lhes diz: “Gostaria de lhe falar, vê-lo, encontrar-me com o Senhor”. [Então, respondam[1]] “Com boa vontade Excelência!” [O bispo:] “O Senhor não tem que ir a Ecône! Ecône é cismático. Ecône é isso, é aquilo…” Então os senhores podem discutir e lhe dizer o que é Ecône. Podem-lhe dizer qual é sua fé, podem falar da defesa da fé católica. Podem dizer que em Ecône se faz o que sempre se fez. Portanto, se Ecône é cismático, a Igreja de dois mil anos é cismática, e tudo o que se fez antes é ruim, e… tudo o que ele mesmo fez quando era jovem é ruim!

É assim. Que se converse com ele. E muitas vezes, pelo simples fato dele ter visto os senhores, se os senhores mantiveram uma atitude respeitosa, diferente, mas ao mesmo tempo firme quanto aos princípios – mais uma vez, com deferência –, ainda que, aparentemente, quando vão embora, tenham a impressão de que não compreendeu nada, que está contra os senhores e que os condena totalmente: desiludam-se.

Talvez sempre, depois, quando reflita: “Contudo, tenho que reconhecer que este seminarista está bem formado. Além disso, é educado, firme em seus princípios”. Não vai lhes dizer isso na cara! Não. Mas talvez pense assim depois, em seu interior. Então os senhores lhe podem fazer algum bem. Podem-lhe procurar algum bem. Por isso, não digamos: “Para que visitou esse bispo? É um herege, um cismático, etc.!” O que querem? É necessário viver com as pessoas com quem Deus nos faz viver! O mundo de hoje é nosso mundo. Não vivemos em um mundo imaginário. Vivemos no mundo real. Então, é necessário ter cuidado! (…) Todos os autores espirituais falam desse espírito, que não é um espírito de caridade. Um espírito que põe a caridade onde não está[2].


Publicado no site do Distrito da América do Sul.


Notas:

[1] Aqui, Dom Lefebvre imagina um diálogo entre o seminarista e o bispo que foi visitar. O que está entre colchetes não é de Dom Lefebvre (Nota do Tradutor).

[2] Depois, para ilustrar suas afirmações, Dom Lefebvre cita os livros de Dom Marmión, Dom Chautard (A Alma de todo apostolado), Garrigou-Lagrange e a primeira encíclica de São Pio X, “E supremi apostolatus” (Nota do Tradutor).

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